domingo, 17 de novembro de 2013

Ética e Vício.


 
Ética e vício

O conceito de vício é um conceito extremamente mal entendido em nossa sociedade. O conceito clássico de vício teve suas bases lançadas por Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, sendo desenvolvido no livro iota da Metafísica. Segundo Aristóteles, os atos humanos, pela repetição, criam em nós uma espécie de segunda natureza, mediante a qual nós realizamos determinadas coisas sem esforço notável da vontade.

A isso Aristóteles chamou de hábito. Assim, por exemplo, quem durante anos se acostumou a acordar cedo da manhã, adquiriu este hábito e já não necessita mais fazer violência contra a própria vontade para agir desse modo. 

Os hábitos humanos, em geral, são neutros, mas podem adquirir conotação moral, determinada pela finalidade com a qual são praticados. Os hábitos cuja conotação moral é boa, Aristóteles os chamou de virtude, sendo que seu contrário, isto é, os hábitos cuja conotação moral é negativa, o estagirita os classificou na lista dos vícios.

Coragem, temperança, liberalidade, prudência, gentileza, são, entre outros, exemplos de virtudes para Aristóteles, pois quando o homem habitua-se, pelo exercício contínuo, a agir dessa forma, já o faz quase naturalmente, sem esforço notável da vontade. 

Em contrapartida, a covardia, a insensibilidade, a avareza, a moleza e a indiferença são típicos exemplos vícios, segundo a conceituação da ética clássica: o homem vicioso pratica esses atos reprováveis sem fazer esforço nenhum para tanto. Resumindo: os atos humanos, pela repetição, transforma-se em hábitos, que podem elevar-se nas virtudes ou degenerar-se nos vícios.

A dependência química em uma determinada substância, ou o hábito de consumir determinado produto não é, por si mesmo, um vício. O que determina a moralidade dos hábitos é sua conotação moral e não a frequência de sua repetição ou a necessidade química ou psicológica por ela causada. Um portador de câncer depende quimicamente de muitas substâncias e não pode ser acusado de ser “viciado” nelas. Um soldado que, durante uma guerra, precisou tomar morfina e, terminada a guerra, já não consegue mais largar a substância, está na mesma situação: é absurdo acusá-lo de ser um “viciado”. A palavra vício tem, sempre, uma conotação moral negativa e não poder ser usada indiscriminadamente. 

Alguém que fuma diariamente ou consuma bebidas alcoólicas com certa frequência (sem o intuito consciente e deliberado de obliterar a razão), não é viciado nisto. Um hábito não é necessariamente um vício. Os vícios são intrinsecamente maus, pois têm relação com a moralidade dos atos humanos, determinados pela sua finalidade. Também o causar mal à própria saúde não pode ser critério para determinar virtude ou vício, desde que esse mal não seja desejado consciente e deliberadamente. 

Os fumantes, normalmente, não fumam com intuito de prejudicar a própria saúde, mas fumam por outros motivos secundários: a finalidade do fumante ao acender seu cigarro não é causar em si um câncer de pulmão, motivo pelo qual o hábito de fumar não pode ser considerado um vício, segundo o conceito clássico.

O conceito que normalmente observamos as pessoas empregarem à palavra vício é uma deturpação do seu verdadeiro sentido. A consequência trágica disso é o embotamento do senso moral das pessoas, que são levadas por essa tendência politicamente correta de considerar certos hábitos neutros como negativos. Assim, é normal um antitabagista militante sentir-se orgulhoso de sua própria opinião infundada, sendo que o tabagismo não é um vício, mas o orgulho vão é um defeito grave de caráter. 

Em outras postagens, pretendo desenvolver mais o tema, exemplificando melhor e argumentando em favor da ética clássica, baseada na finalidade dos atos e não em convenções arbitrárias coordenadas pela mídia, ou por campanhas de massificação promovidas pelos governos.

Para terminar conto uma anedota que ilustra o tema, atribuída a Churchill. Conta-se que o General Montgomery, grande líder militar inglês, um dos principais generais aliados durante a Segunda Guerra Mundial, estava sendo homenageado pela brilhante vitória sobre o Marechal Rommel, da Alemanha nazista, na histórica batalha entre as divisões blindadas nos desertos africanos. Quando usou da palavra, Montgomery teria dito:

- Eu não fumo, não bebo, e sou herói!

Churchill, com o fino senso de humor que lhe era tão peculiar, ouviu o discurso e retrucou, resmungando da poltrona:

- Eu fumo, bebo, e sou chefe dele! (Churchill fumava um charuto atrás do outro e, conta-se, tomava meia garrafa de uísque por dia)
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